A História e as cotas: Vamos tocar na ferida?
Igualdade! Talvez um dos conceitos
mais usado e reivindicado a partir do século XVIII, composto a palavra de ordem
da Revolução Francesa, presente em Constituição Federal. A igualdade formal tão
bonita foi também o grito de ordem dos jovens pertencentes ao autodenominado
"exército anti-cotas", que tem como objetivo pregar o fim das cotas
para o bem do ensino público (do qual nunca pertenceram). Parece contraditório?
Segundo os mesmos, as cotas são o jeitinho brasileiro de não investir em
educação pública.
Caros amigos, como falar em
igualdade, como afirmar que todos somos iguais, quando a desigualdade bate a
nossa porta todos os dias? Escancarada e às vezes tão normalizada que nem a
reparamos, porém, basta olharmos as ruas atentamente, que veremos que a
igualdade ideal não é real.
O Art. 5 da Constituição Federal
prega que todos sejam iguais perante a lei, ou seja, formalmente, nada mais
justo, sermos tratados sem distinção de qualquer natureza. O que não quer dizer
que a igualdade exista, apenas por que está na constituição, assim como muitas
outras coisas, incluindo os direitos mínimos dos cidadãos, muito ligados a
situação de desigualdade material, como direito a moradia, saúde e a tão falada
e muito esquecida, EDUCAÇÃO.
É fácil falar em igualdade quando partimos
de um discurso anti-histórico e elitista, como fizeram muitos dos jovens
na marcha anti-cotas, sugerindo que passássemos por cima de mais de 300 anos de
escravidão e opressão. Afinal de contas, “ninguém tem culpa do passado
escravista e explorado brasileiro”. Pergunto-me, como esquecer nossa história,
se colhemos seus frutos ainda hoje? ou tentarão convencer-me de que o racismo
não existe? de que a pobreza é fruto da preguiça? De que um negro ou indígena
possui as mesmas condições que uma pessoa branca de classe média/alta? Porém,
encontramos, uma alienação incrível e a defesa desse igualitarismo quase que romântico.
Prefiro crer mesmo que seja alienação, ignorância (no sentido de
desconhecimento), falta de diálogo e leitura. Saberão esses jovens como vivem
os negros da cidade? saberão esses jovens os dados acerca do ensino, saúde e
violência relacionados a população negra? Saberão esses jovens que há anos os
indígenas Kaingangs de Santa Maria moram em lonas acampadas a beira da rodoviária?
As cotas
As cotas
O que se busca, a meu ver, são
formas de reparação de atos irreparáveis, como a violência cometida contra o
povo negro, isso inclui exploração do trabalho, violência física, atentados
morais, abusos sexuais ... a lista é grande...Enfim, medidas que tendam a diminuir a desigualdade,
para isto, existem as AA (Ações Afirmativas), sendo elas:
"Um conjunto de ações privadas
e/ou políticas públicas que tem como objetivo reparar os aspectos discriminatórios
que impedem o acesso de pessoas pertencentes a diversos grupos sociais às mais
diferentes oportunidades”.
Creio também, que o papel da
História não é procurar culpados, mas ajudar a compreender as consequências do
passado brasileiro e que, a partir dessa compreensão se possa buscar um
aperfeiçoamento das políticas públicas, por exemplo.
Creio que tais ações devam ser
ampliadas e complexificadas. O sistema de cotas tem sim suas falhas, porém
creio que sem ele, as chances da população pobre entrar na Universidade estariam
remotas, quase impossíveis. Basta perceber a realidade das Universidades hoje, predominantemente
brancas. Basta observar a realidade dos empregos que não exigem ensino médio/superior,
predominantemente, negros. As mulheres escravas negras realizavam
principalmente serviços domésticos na casa dos seus senhores, não
incrivelmente passados mais de 300 anos de escravidão, os dados mostram que
90,23% da população negra economicamente ativa está no emprego doméstico,
enquanto na população branca este percentual é de 6,1%, onde as mulheres negras
ocupam profissões como: cozinheiras, empregadas domésticas, diaristas e babás,
nas casas dos muitos brancos da classe média/alta.
Como diz no texto de Juremir
Machado: "Qualquer indicador social mostra o lugar ocupado pela maioria
não-branca em nosso país. Ainda não resolvemos a herança da escravidão. Talvez
pelo fato de que há reles 120 anos ainda tínhamos escravos. É claro que o
Brasil poderia se livrar das cotas. Bastaria dar vagas para todos os aprovados
num concurso de final do ensino médio. Tenho repetido incansavelmente, para
desgosto de muitos, que, sendo o estoque de vagas limitado, o Estado prefere
distribuí-lo para os mais aquinhoados com base no falacioso critério do mérito,
um sistema de hierarquia social e de reprodução da desigualdade
histórica".
Isso é normal, para aqueles que
pregam a elitização universitária, afinal de contas, as instituições
universitárias foram em sua origem criadas para as elites, as mesmas que hoje
pregam que Universidade não é lugar para pessoas “fracas”, fracas de ensino, no
caso : negros, indígenas e pobres brancos do ensino público (era o que o exército alegava). Pergunto também, o que vem primeiro? O ensino não deveria melhorar
justamente a partir da demanda desse novo público frequentador das cadeiras
superiores? ou a universidade deve ficar a mesma, esperando as mentes
brilhantes do país?
Outra pergunta acerca do ato anti-cotas é a
seguinte: Imaginemos que num caso muito difícil,
creio eu, os manifestantes do exército tenham seus desejos atendidos, e que as
cotas acabem em nome da tal igualdade, será que isso mudaria o ensino público? E
se as cotas fossem suspensas e o governo não investisse nada em educação
pública? Certamente o exército anti-cotas é que não sairia perdendo, do
contrário, muitos negros, indígenas e brancos pobres.
Não entendo por que tem que ser ou
uma coisa ou outra! Não se pode ter cotas e investimento em ensino público?
Houve uma marcha pela Educação Pública há poucos meses atrás em Santa Maria,
onde esse exército estava?
A História
E antes que eu esqueça andei lendo
comentários via facebook de pessoas que diziam: "Já cansou esse papinho de
história", " Se é História, vão estudar nos livros"... Incrível
ver como a História incomoda! Vai ver por isso gosto tanto dela! A história não
está só nos livros, para mim ela não é reles narrativa... Faz parte e trata da
vida das pessoas... Mexe com as feridas do passado, por isso incomoda, principalmente
com aquelas mal cicatrizadas que derramam sangue até hoje. Como digo... É mais
fácil para aqueles que não têm a trajetória marcada pelo horror, esquecer ou
então tripudiar em cima dela.
Fotos: Revista O viés.