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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A desigualdade nossa de cada dia...

A História e as cotas: Vamos tocar na ferida? 


Igualdade! Talvez um dos conceitos mais usado e reivindicado a partir do século XVIII, composto a  palavra de ordem da Revolução Francesa, presente em Constituição Federal. A igualdade formal tão bonita foi também o grito de ordem dos jovens pertencentes ao autodenominado "exército anti-cotas", que tem como objetivo pregar o fim das cotas para o bem do ensino público (do qual nunca pertenceram). Parece contraditório? Segundo os mesmos, as cotas são o jeitinho brasileiro de não investir em educação pública.
Caros amigos, como falar em igualdade, como afirmar que todos somos iguais, quando a desigualdade bate a nossa porta todos os dias? Escancarada e às vezes tão normalizada que nem a reparamos, porém, basta olharmos as ruas atentamente, que veremos que a igualdade ideal não é real.
O Art. 5 da Constituição Federal prega que todos sejam iguais perante a lei, ou seja, formalmente, nada mais justo, sermos tratados sem distinção de qualquer natureza. O que não quer dizer que a igualdade exista, apenas por que está na constituição, assim como muitas outras coisas, incluindo os direitos mínimos dos cidadãos, muito ligados a situação de desigualdade material, como direito a moradia, saúde e a tão falada e muito esquecida, EDUCAÇÃO.
É fácil falar em igualdade quando partimos de um discurso anti-histórico e elitista, como fizeram muitos dos jovens na marcha anti-cotas, sugerindo que passássemos por cima de mais de 300 anos de escravidão e opressão. Afinal de contas, “ninguém tem culpa do passado escravista e explorado brasileiro”. Pergunto-me, como esquecer nossa história, se colhemos seus frutos ainda hoje? ou tentarão convencer-me de que o racismo não existe? de que a pobreza é fruto da preguiça? De que um negro ou indígena possui as mesmas condições que uma pessoa branca de classe média/alta? Porém, encontramos, uma alienação incrível e a defesa desse igualitarismo quase que romântico. Prefiro crer mesmo que seja alienação, ignorância (no sentido de desconhecimento), falta de diálogo e leitura. Saberão esses jovens como vivem os negros da cidade? saberão esses jovens os dados acerca do ensino, saúde e violência relacionados a população negra? Saberão esses jovens que há anos os indígenas Kaingangs de Santa Maria moram em lonas acampadas a beira da rodoviária?



As cotas
O que se busca, a meu ver, são formas de reparação de atos irreparáveis, como a violência cometida contra o povo negro, isso inclui exploração do trabalho, violência física, atentados morais, abusos sexuais ... a lista é grande...Enfim,  medidas que tendam a diminuir a desigualdade, para isto, existem as AA (Ações Afirmativas), sendo elas:
"Um conjunto de ações privadas e/ou políticas públicas que tem como objetivo reparar os aspectos discriminatórios que impedem o acesso de pessoas pertencentes a diversos grupos sociais às mais diferentes oportunidades”.
Creio também, que o papel da História não é procurar culpados, mas ajudar a compreender as consequências do passado brasileiro e que, a partir dessa compreensão se possa buscar um aperfeiçoamento das políticas públicas, por exemplo.
Creio que tais ações devam ser ampliadas e complexificadas. O sistema de cotas tem sim suas falhas, porém creio que sem ele, as chances da população pobre entrar na Universidade estariam remotas, quase impossíveis. Basta perceber a realidade das Universidades hoje, predominantemente brancas. Basta observar a realidade dos empregos que não exigem ensino médio/superior, predominantemente, negros. As mulheres escravas negras realizavam principalmente serviços domésticos na casa dos seus senhores, não incrivelmente passados mais de 300 anos de escravidão, os dados mostram que 90,23% da população negra economicamente ativa está no emprego doméstico, enquanto na população branca este percentual é de 6,1%, onde as mulheres negras ocupam profissões como: cozinheiras, empregadas domésticas, diaristas e babás, nas casas dos muitos brancos da classe média/alta.
Como diz no texto de Juremir Machado: "Qualquer indicador social mostra o lugar ocupado pela maioria não-branca em nosso país. Ainda não resolvemos a herança da escravidão. Talvez pelo fato de que há reles 120 anos ainda tínhamos escravos. É claro que o Brasil poderia se livrar das cotas. Bastaria dar vagas para todos os aprovados num concurso de final do ensino médio. Tenho repetido incansavelmente, para desgosto de muitos, que, sendo o estoque de vagas limitado, o Estado prefere distribuí-lo para os mais aquinhoados com base no falacioso critério do mérito, um sistema de hierarquia social e de reprodução da desigualdade histórica". 
Isso é normal, para aqueles que pregam a elitização universitária, afinal de contas, as instituições universitárias foram em sua origem criadas para as elites, as mesmas que hoje pregam que Universidade não é lugar para pessoas “fracas”, fracas de ensino, no caso : negros, indígenas e pobres brancos do ensino público (era o que o exército alegava). Pergunto também, o que vem primeiro? O ensino não deveria melhorar justamente a partir da demanda desse novo público frequentador das cadeiras superiores? ou a universidade deve ficar a mesma, esperando as mentes brilhantes do país?
Outra pergunta acerca do ato anti-cotas é a seguinte: Imaginemos que num caso muito difícil, creio eu, os manifestantes do exército tenham seus desejos atendidos, e que as cotas acabem em nome da tal igualdade, será que isso mudaria o ensino público? E se as cotas fossem suspensas e o governo não investisse nada em educação pública? Certamente o exército anti-cotas é que não sairia perdendo, do contrário, muitos negros, indígenas e brancos pobres.
Não entendo por que tem que ser ou uma coisa ou outra! Não se pode ter cotas e investimento em ensino público? Houve uma marcha pela Educação Pública há poucos meses atrás em Santa Maria, onde esse exército estava?
A História
E antes que eu esqueça andei lendo comentários via facebook de pessoas que diziam: "Já cansou esse papinho de história", " Se é História, vão estudar nos livros"... Incrível ver como a História incomoda! Vai ver por isso gosto tanto dela! A história não está só nos livros, para mim ela não é reles narrativa... Faz parte e trata da vida das pessoas... Mexe com as feridas do passado, por isso incomoda, principalmente com aquelas mal cicatrizadas que derramam sangue até hoje. Como digo... É mais fácil para aqueles que não têm a trajetória marcada pelo horror, esquecer ou então tripudiar em cima dela.


Fotos:  Revista O viés.
 
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